Como a linguagem modela nosso pensamento?

Tempo de leitura: 4 min

em Dezembro 20, 2022

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Uma característica marcante da inteligência humana é a sua adaptabilidade, a capacidade de inventar e reorganizar os conceitos do mundo de modo a se adequar às mudanças de metas e ambientes. Uma consequência dessa flexibilidade é a enorme diversidade de idiomas que surgiu ao redor do mundo.

Cada um oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e engloba o conhecimento e a visão de mundo desenvolvidos ao longo de milhares de anos dentro de uma cultura. 

Cada um tem uma forma de perceber, classificar e fazer sentido no mundo, um guia inestimável desenvolvido e aperfeiçoado por nossos antepassados. A investigação sobre a forma como o idioma que falamos molda a nossa forma de pensar está ajudando os cientistas a desvendar o modo como criamos o conhecimento e construímos a realidade e como conseguimos ser tão inteligentes e sofisticados. E essa percepção nos ajuda a compreender exatamente a essência daquilo que nos faz humanos…

Ao redor do mundo, as pessoas se comunicam usando uma deslumbrante variedade de idiomas – mais ou menos 7 mil ao todo –, e cada um deles exige condições muito diferentes de seus falantes.

Separamos este artigo para vocês para falarmos sobre como a linguagem modela nosso pensamento.

Boa leitura!

Os idiomas e o tempo

Linguistas, neurocientistas, psicólogos e outros profissionais vêm tentando há décadas descobrir as formas em que o idioma influencia os nossos pensamentos. Muitas vezes, eles se concentram em conceitos abstratos, como o tempo e o espaço, que são abertos a interpretações. Mas conseguir resultados científicos não é fácil.

Se compararmos apenas o pensamento e o comportamento das pessoas que falam diferentes idiomas, é difícil ter certeza se as diferenças não se devem à cultura, à personalidade ou a outro fator completamente diferente.

O papel central desempenhado pelo idioma na nossa expressão também dificulta sua separação das outras influências. Mas existem formas de contornar esse dilema.

Sabemos, por exemplo, que as pessoas frequentemente usam metáforas para pensar em conceitos abstratos — “preço alto”, “tempo longo” ou “mistério profundo”, por exemplo.

Um professor, pesquisador e sociólogo, chamado Casasanto, ensina frequentemente às pessoas no seu laboratório o uso de metáforas de outros idiomas (na sua própria língua) e pesquisa qual o impacto na sua forma de pensar.

A cientista cognitiva Lera Boroditsky, uma das pioneiras das pesquisas sobre como o idioma manipula nossos pensamentos, demonstrou que os falantes do idioma inglês tipicamente observam o tempo como uma linha horizontal.

Eles podem transferir reuniões para frente ou trazer os prazos para trás. Eles também tendem a observar o tempo como se movendo da esquerda para a direita, muito provavelmente da mesma forma que você está lendo este texto em português, ou da forma em que a língua inglesa também é escrita.

Esta relação entre o tempo e a direção de escrita do texto também se aplica a outros idiomas. Os falantes nativos de hebraico, por exemplo, leem e escrevem da direita para a esquerda e imaginam o tempo seguindo a mesma direção do seu texto.

Se você pedir para um falante de hebraico colocar fotografias em ordem cronológica, muito provavelmente ele começará com as imagens mais antigas à direita e irá posicionar as mais recentes à esquerda.

Já os falantes de mandarim, muitas vezes, idealizam o tempo como uma linha vertical – a parte de cima representa o passado e a de baixo, o futuro. Eles usam a palavra 下, xià (“baixo”) para falar sobre eventos futuros, por exemplo. Assim, “a próxima semana” fica, literalmente, “a semana para baixo”.

E, como ocorre com o inglês e o hebraico, também está de acordo com a forma em que o mandarim era lido e escrito tradicionalmente – em linhas verticais, de cima para baixo.

Esta associação entre a forma como lemos e organizamos o tempo nos nossos pensamentos também traz impactos sobre a nossa cognição temporal. Falantes de diferentes idiomas processam informações sobre o tempo com mais rapidez se estiverem organizadas na mesma direção da escrita do seu idioma.

Um experimento demonstrou, por exemplo, que as pessoas que falam inglês como única língua determinavam com mais rapidez se uma imagem era do passado ou do futuro (representado por imagens de ficção científica) se o botão que eles precisavam pressionar para indicar o passado estivesse à esquerda do botão do futuro, do que se eles estivessem na posição inversa.

Para os falantes de inglês, não fazia diferença se os botões fossem colocados um acima ou abaixo do outro.

Estudos demonstraram que ao mudar o modo de falar, mudamos a maneira de pensar. O ensino de novas denominações de cores, por exemplo, muda a capacidade de as pessoas as discriminarem. Pessoas bilíngues mudam o modo de enxergar o mundo dependendo do idioma que falam. Duas descobertas publicadas em 2010 demonstram que mesmo algo tão fundamental quanto de quem você gosta e não gosta, depende do idioma em que é feita a pergunta.

A linguagem também parece estar envolvida em muitos mais aspectos de nossa vida mental que os cientistas previamente supunham. As pessoas confiam na língua, mesmo quando fazem coisas simples como distinguir manchas de cor, contar pontos em uma tela ou se orientar em uma pequena sala.

Interessante, não é mesmo?

Conhecer como os idiomas são diferentes pode nos ajudar a pensar, transitar e se comunicar melhor. E, ainda que ser poliglota não faça de você necessariamente um gênio, todos nós podemos ganhar novas perspectivas e uma compreensão mais flexível do mundo, aprendendo um novo idioma.

Até nosso próximo blog!

Au revoir!

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